Carta ao Estudante de Medicina #05

Beba também um pouco de vinho…

Leonardo Cunha
3 min readJun 24, 2021

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Caro estudante de medicina,

Não se preocupe! Esse não será um conselho sobre se afundar na libertinagem da faculdade de medicina. E sim sobre auto-cuidado. Não apenas sua importância, pois isso, todos nós sabemos, mas do seu propósito.

Estamos inseridos em uma cultura de valorização crescente da alimentação saudável, da atividade física e da higiene do sono. E isso é excelente! Mas como para tudo que vem de mãos humanas, e inevitavelmente é tocado pelo pecado, precisamos ser críticos.

Durante meu primeiro emprego, trabalhei como médico de funcionários em um telemarketing durante a primeira onda da pandemia da COVID-19. Graças ao home office, meu fluxo de atendimentos era baixíssimo. Ótimo para um recém-formado com medo até de prescrever paracetamol. Com o tempo, meu desejo de aplicar meus conhecimentos tornou o ócio insuportável. Tentei ler mais a Bíblia durante o tempo livre. E decidi ler Levíticos para entender os aspectos sobre saúde nas palavras de Moisés. Seria ele um grande sanitarista? Afinal, encontramos leis sobre higiene pessoal e coletiva em diversos aspectos (alimentação, sexualidade, doenças contagiosas, etc).

Para minha frustração como médico, percebi que saúde não era o centro dos conselhos, mas sim a santidade. Deus não estava focando em ensinar ao povo como construir um ótimo sistema de saúde ou viver uma vida fitness, mas como permanecer santo em meio a idolatria das outras nações.

Um princípio que aprendi, durante meu tempo de serviço militar obrigatório como médico, foi a operacionalidade. Toda rotina de higiene, alimentação e atividade física visavam um único propósito: preparar a carcaça para o cumprimento da missão. Quando falamos de auto-cuidado, para nós como profissionais, é inevitável reconhecer a importância. Mas, como cristãos, precisam entender que saúde não é um fim em si mesmo. Na verdade, ela é um meio para cumprimos nosso chamado diante de Deus.

Paulo aconselha Timóteo a cuidar de seus problemas no estômago com um pouco de vinho. E do mesmo modo, orienta sobre a superioridade da piedade em relação à prática desportiva. Paulo não desejava que seu aprendiz se tornasse sedentário, glutão e preguiçoso. Mas também não desejava que Timóteo estivesse mais preocupado com seus bíceps do que com os irmãos necessitados.

Aqui encontramos uma linha muito tênue. Sim, não podemos nos dar ao luxo de só trabalhar e ignorar nossas necessidades fisiológicas. Entretanto, não podemos abrir mão de servir ao próximo por uma rotina auto-centrada.
Idealmente, precisamos de 2-3 litros de água, 30-60 minutos de exercício, 8 horas de sono, 10 páginas de um bom livro, 3-6 refeições equilibradas e entre outras coisas diariamente. Mas não vivemos em uma realidade ideal. Muito pelo contrário, vivemos em uma realidade caída que geme pelo dia de sua restauração.

Precisamos de auto-cuidados, não a toa Deus estabeleceu a sábado para seu povo. Mas o descanso de sábado existe para nos preparar para o trabalho dos seis dias seguintes. Elias recebeu alimento e descanso, mas não como um fim em si mesmo, mas para prepará-lo para longa jornada que viria a frente. E assim como ele, ainda temos uma longa jornada para chegarmos, de fato, em nosso lar. O verdadeiro sabbath eterno, no qual encontraremos repouso eterno. Por enquanto, faça pausas, coma algo saudável, faça umas flexões, mas se não der tempo, prossiga na jornada em busca de santidade.

Que os assédios da cultura fitness não sejam um peso ao seu coração. E que o cansaço da caminhada não seja um trampolim para preguiça e glutonaria em sua vida. Que o Senhor nos conceda a moderação necessária para servimos a Ele e ao próximo com todas as nossas forças.

Com carinho, seu colega e irmão, Leonardo Cunha

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Leonardo Cunha

Medicina Narrativa, Teologia Reformada e mais alguns Insights Aleatórios.