Carta ao Estudante de Medicina #04

Escolhas Profissionais

Caro estudante de medicina,

Retorno de férias, primeiro dia no estágio de Dermatologia. Um retorno tranquilo, afinal vários chefes estavam de férias e teríamos várias folgas ao longo da semana. Durante uma excisão de uma “pereba” qualquer, eu e minha dupla começamos a conversar com uma das residentes. “E aí, vocês já sabem o que querem fazer de residência?”, o famoso “o que você vai ser quando crescer” do jovem interno ou médico recém-formado. “Hmm… Eu quero clínica…”, respondo com pouca convicção. “Onde? Precisa ser uma residência boa. Já está fazendo medcurso? Etc etc etc”, por aí foi a conversa com uma metralhadora de questões que me deixavam ansioso com o futuro. Mais tarde no mesmo dia, comento com minha dupla “Primeiro dia e já estou com aquele sentimento horrível de novo”. “Pois é”, minha dupla concorda.

Na questão da escolha da especialidade — e até mesmo da não especialização — é comum termos dúvidas, mudarmos de ideia e até mesmo ficar completamente perdidos. Mas a impressão de que todos ao seu redor já tem 100% de certeza de toda jornada profissional futura nos angustia. Inclusive, nos faz vestir a incoerente máscara do “já sei o que quero” para não sofrermos tanto. Se alguém pergunta o que você quer e você responde prontamente — Cardio, Otorrino, Geral, etc etc etc — assunto encerrado. Mas se você balança para responder, aí já era! Se prepare para diversos questionamentos, vindos muitas vezes de pessoas com as mesmas dúvidas que você, mas que se obrigaram a vestir a “máscara”.

Já pensou que tudo bem se você “errar” sua primeira escolha? Sempre lembro que uma das melhores residentes de Ginecologia e Obstetrícia do meu internato era uma neurologista. Após três anos de atuação na especialidade, ela simplesmente decidiu mudar, pois não estava satisfeita com sua escolha. Voltou para atenção primária, mudou de estado e começou a se interessar por Ginecologia. Cá estava ela no “plano B”. E quem disse que o nosso “plano B” não era o plano A de Deus desde o princípio?

O coração do homem sempre fará planos e a resposta final sempre virá de Deus. Tudo bem se você se programar para fazer uma especilidade X durante toda sua formação e, no final, mudar tudo. O tempo não será em vão! Deus trabalha em nós enquanto percorremos nossos caminhos de “planos frustrados”. Ele nos permite passar pelos “plot-twists” em nossa história. Isso nos molda, nos gera auto-conhecimento e nos aproxima dEle na jornada. Lutero e Salomão concordavam. “Faça bons sapatos e venda a preços justos”. Faça bem feito aquilo que está em suas mãos agora.

Durante o internato, sempre fui visto como doido. Quando estava na pediatria, queria ser pediatria. Quando estava na saúde da família, queria ser médico da família. Na obstetrícia, obstetra. Na cirúrgica, cirurgião do trauma e, depois, otorrino. Hoje quero clínica e cardio, mas ainda deixo em aberto para mudanças. Como recém formado, passei na medicina do trabalho, na saúde da família, no pré-hospitalar, em urgências/emergências e até no exército. Fiz SANAR, aprendi com eles a me organizar, depois fui fazer medcurso quando pude pagar — e estou penando para cumprir tudo! Sabe o que aprendi com isso? A me dedicar onde estou agora, pois é dom de Deus. A pergunta é onde você está agora? Se você está no internato, não se mate pensando na vida de recém formado. Se é recém formado, tudo bem se dedicar exclusivamente para passar em uma residência difícil ou optar por juntar um pouco mais de dinheiro. Faça seus planos e confie que Deus conhece seu coração melhor que você mesmo.

A graça do Cristianismo é que, para você cumprir sua vocação, basta você fazer o que está na sua frente agora para Deus e para o próximo. Isso irá te preencher! Você não está preso em um caminho profissional fixo e único. Deus nos vocaciona para sermos servos em qualquer lugar. Ele nos chama para construir uma história e, não, uma carreira. Que a Graça de Cristo o conduza para aproveitar o momento e se permitir frutificar, mesmo quando o caminho é confuso.

Com carinho, seu colega e irmão em Cristo, Leonardo Cunha.